Fafy Siqueira foi três vezes Dercy Gonçalves. O ciclo começou assim: a aproximação surgiu de uma vontade conjunta com Maria Adelaide Amaral e Marília Pêra de montar uma peça sobre a vida da atriz. Por falta de patrocínio, o projeto foi para a gaveta, mas foi a primeira fagulha para despertar a Dercy dentro dela. Não tardou a chegar. Em Dalva & Herivelto, Fafy viveu a humorista em marcante participação. E em 2012, ela será Dercy de Verdade em minissérie da Rede Globo.
- Já fui Dercy em diferentes fases da vida dela. Com 50, 60, 70 anos. Mas dessa vez é diferente. Confesso que esse processo de atriz, de viver a vida do outro, ainda mexe muito comigo. Eu estou meio Dercy no momento - conta a cantora que enveredou para a dramaturgia.
Quando caracterizada para viver a humorista, tamanha semelhança entre as duas chega a assustar. Ela atribui o feito ao trabalho impecável de Anna Van Steen e Rubens Libório, que assinam a transformação da nova minissérie.
- Às vezes, penso: meu Deus, estou igual a essa mulher! É engraçado. Eu olho a roupa com desconfiança, mas quando visto eu me transformo na Dercy. Passo a dar sugestões, “eu gosto disso, mas não gosto daquilo” como se fosse a própria se arrumando.
E não é só no quesito figurino que Fafy sente a ajuda de Dercy por perto. Desde que interpretou a humorista em Dalva & Herivelto - na fase vedete, em um maiô dourado com plumas -, a atriz conta com a presença da comediante em cena.
- Eu tenho certeza que ela está ali. Eu sou kardecista. O Jorginho (Jorge Fernando, diretor da minissérie) também sente que ela está presente. Visitando o museu de Dercy em Santa Maria Madalena, eu tive uma crise de riso e choro – revela Fafy Siqueira.
Mulheres fortes e sem papas na língua, Fafy garante que as semelhanças entre as duas terminam por aí. A admiração por Dercy, inclusive, veio mais tarde. Apesar de seu pai ser fã da humorista que chocava o Brasil com ousadas performances, ela confessa que seus ídolos do humor eram outros na infância. Mal sabia ela que os LPs da humorista, que tanto tocavam na vitrola de casa, iam se tornar fonte de pesquisa para seu trabalho.
- Cresci com a musicalidade da Dercy em casa. Além disso, meu pai tinha um restaurante na Praça Tiradentes (Centro do Rio de Janeiro) e Dercy morava em um hotel perto e, volta e meia, aparecia por lá.
Se foi da boca de Seu David que pela primeira vez Fafy ouviu alguém se referir a Dercy como uma "senhora muito distinsta", hoje ela faz coro:
- Ela é um exemplo. Palmas para a Rede Globo que teve a coragem de contar essa história. As pessoas tem que saber que esta mulher de fibra existiu e não era só uma doida que falava palavrão. Dividir o papel com a Lolô (Heloisa Périssé interpreta a Dercy na fase mais jovem) é ótimo, nós temos a mesma verve.
O aval para viver a humorista está consentido. Na década de 80, após ver o musical "As Noviças Rebeldes" - dirigido por Wolf Maia, que trazia no elenco Fafy, Cininha de Paula, Sylvia Massari, Rosa Marya Colin, Regina Restelli e Totia Meireles - , Dercy fez questão de sair da plateia e ir até o camarim para deixar um bilhetinho.
- Tenho guardado até hoje. Estava escrito assim: "Fui ver 'As Noviças' e me mijei de rir com a Fafy. Até que enfim apareceu uma mulher engraçada" - relembra com carinho o momento que acabou se desdobrando em amizade.
Pouco depois, ela cruzou com Dercy novamente em reportagem de um jornal carioca sobre humoristas de diversas gerações. Foi Dercy quem indicou Fafy para dividir as páginas do impresso com ela. Ali, foi selada a união. Dez anos passados, elas se juntaram para produzir a peça "Dercy por Fafy", com texto da própria Maria Adelaide Amaral e direção de Marília Pêra. Após a dificuldade de emplacar a produção no teatro, a série Dercy de Verdade tem sensação de missão cumprida para Fafy.
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